A Madelaine conversou com o Carlitos Baldassari, treinador do Curitiba Rugby e ex-atleta da Seleção Uruguaia de Rugby.
Enquanto ele fazia o almoço para os filhos, trocou mensagens com a gente e o resultado dessa conversa você vê agora.
Acompanhe!
Madelaine: Carlitos, nós sabemos que o Rugby é um esporte muito popular no Uruguai e que, embora o Brasil seja o “país do futebol”, esse apelido carinhoso começa a dar espaço a outros esportes. No Uruguai, como é a relação das pessoas com o Rugby?
Carlitos: No Uruguai já vem sendo jogado há muito tempo, e com a mídia mais perto, ultimamente está ganhando uma maior visibilidade e se popularizando, o que traz novos jogadores para os clubes.
Montevideo Cricket Club, no Uruguai, se caso não esteja enganado, é um dos 8 times mais antigos do mundo [do World Rugby].
Na atualidade tem clubes por todo o país, e o Rugby está expandindo a localidades menores, o que fortalece a base dos clubes e, por consequência disso, fortalece a Seleção.
E esse fortalecimento do esporte em localidades mais distantes dos grandes centros ainda traz um grande potencial, que é a mudança de vida dos jovens que começam a se relacionar com o esporte. Você começou de que forma? E como foi defender a Seleção do Uruguai na Copa do Mundo de Rugby, em 2003?
No meu caso, em particular, comecei a jogar muito cedo e perto dos meus 6 ou 7 anos já tive o convite para fazer parte de uma escolinha de Rugby da minha cidade.
Primeiro por curiosidade e depois por gostar mesmo do esporte, me mantenho até agora dentro do Rugby.
Fazer parte da Seleção e disputar uma Copa do Mundo de Rugby, no caso, da de 2003, na Austrália, foi o ponto mais alto da minha carreira como jogador de Rugby, e como foi o resultado de uma preparação intensa e muito desejada foi muito gratificante, não só pelo jogo, e sim como pessoa; porque me fortaleceu alguns valores do Rugby.
Disciplina: tive que treinar muito para chegar lá.
Respeito: sabíamos que íamos a jogar com Seleções que estavam em outro patamar, e na derrota ou na vitória, precisávamos dos outro jogadores e do árbitro para que o jogo continuasse.
Solidariedade: deixar de lado o interesse pessoal para um bem maior coletivo.
Paixão: que é aquela vontade de jogar com o coração, aquela adrenalina inigualável que só se sente jogando Rugby.
E tem um outro valor muito ligado ao Rugby que é a honra. Honrar o adversário, honrar o árbitro e o jogo, criando jogadas limpas, apesar de muito competitivas.
Quando eu assisto uma partida, sempre percebo que por mais combativo que o jogo seja, e, por vezes, pareçam ser até dolorosas algumas jogadas por conta da força e da velocidade, é um jogo sempre muito respeitoso com o time oponente. E ser competitivo é até um sinal desse respeito.
Você foi a uma Copa do Mundo levando com você e com a sua Seleção todos esses sentimentos, a sua empolgação e todos esses valores. Hoje você os traz, junto de toda a sua história e paixão pelo esporte, para o Curitiba Rugby, como treinador.
Como foi essa mudança de posição, essa guinada de esportista para agora treinador? Quais são os principais desafios de treinar um time feminino e um masculino no Brasil, que não tem a tradição que o Uruguai tem em relação ao Rugby?
A parte de ser treinador foi uma coisa muito natural. Nos anos das categorias juvenis, no caso, do meu Clube, já fui treinador de Rugby desde os 16 ou 17 anos das categorias infantis.
Depois treinei uma categoria feminina juvenil, o que me ajudou muito na minha formação como treinador. Aí, depois, a lógica da capacitação mediante cursos e treinamentos, somada à experiência de fazer isso por muito tempo é o que permite aprender do erro e do acerto. Assim continua o meu aprendizado diário em relação ao Rugby e a tratar com pessoas, que é uma das partes mais fortes do treinador de Rugby.
A minha chegada no Brasil foi por um convite pontual do Farrapos de Bento Gonçalves. Depois já escolhi um caminho como treinador aqui no Brasil, para tentar a difundir um pouco o esporte.
Aí tive o convite do Curitiba Rugby para ajudar a treinar as categorias juvenis e adultas do Clube, tanto do feminino quanto do masculino. Conhecendo algo da história do Clube e ciente do desafio ainda maior de chegar a um Clube campeão brasileiro de ambas categorias adultas, masculino e feminino, foi, sem dúvida, muito interessante.
Hoje já faz três anos que estou no Clube, tentando em cada treino e cada jogo deixar um pouco da experiência e dos valores que o Rugby me proporcionou.
E aqui em Curitiba, como é o envolvimento e a procura pelo esporte? Nesse ano, que tivemos uma opa do Mundo, você notou se mais pessoas buscaram também se envolver com o time, treinar?
Sim, com certeza. Nesses últimos anos a procura pelo esporte aumentou e com a visibilidade da Copa do Mundo as pessoas se aproximaram mais para aprender, experimentar ou simplesmente se divertir jogando Rugby.
E acho que é justamente essa a coisa legal que vem com esses grandes eventos, né? Ainda mais com o fascínio que o esporte tem, quando, por exemplo, quem nunca viu Rugby se depara com a Haka do All Blacks.
E é bonito como, seja em um grande campo, seja no treino aqui em Curitiba, a essência e os valores estão presentes. É possível falarmos de uma verdadeira tradição que o Rugby carrega, não?
Sim, até posso parecer bastante suspeito a falar bem de Rugby, mas pratiquei muitos esportes e não achei em nenhum deles seja, dentro do campo ou fora do campo, um ambiente tão acolhedor como no Rugby.
A parte cultural é uma das potências do Rugby. Sinto que os clubes das pequenas cidades também carregam suas próprias tradições, que são muito fortes e fáceis de adaptar no ambiente do Rugby.
No terceiro tempo, que é nada mais que uma confraternização entre o times e árbitros, se dá um intercâmbio cultural e laços de amizade muito fortes que terminam nos apaixonando pelo esporte. Tem pessoal que para de jogar que ainda faz parte do terceiro tempo por ver nele a possibilidade de fazer uma devolução do que o Rugby já proporcionou para a pessoa.
O Curitiba Rugby também desenvolveu projetos sociais ao longo de sua história, talvez como parte dessa devolução para o esporte do que o esporte deu para a pessoa que o praticou. Talvez um terceiro tempo social. Os projetos são o Vivendo o Rugby, o Rugby para Sempre e um muito especial, que é o QuadTouros Kids, que se destina a crianças e adolescentes com deficiência neuromotora. Como você observa a transformação que o esporte promove na vida dessas crianças, sejam elas pessoas com deficiência ou não?
Acho que é muito importante e dentro do clube tem muitos casos de sucesso, com jogadores que foram introduzidos e captados pelo VOR, desenvolvidos pelo RPS e que hoje participam com sucesso no time adulto.
Ao mesmo tempo fora do campo, é oferecida uma atividade contraturno e com bolsas de estudo que ajudam na formação profissional e no desenvolvimento como pessoas, que é fundamental para a vida deles.
O Quad está sendo implementado e acredito que tem um potencial transformador muito grande.
Sem dúvida, o VOR e o RPS são iniciativas de muito sucesso, bem como será o QuadTouros. Ainda mais em nosso país, em que a inclusão é levada tão pouco a sério.
O Vivendo o Rugby se destina a capacitar professores da Rede Pública de ensino e já atende mais de 3 mil crianças todos os anos. São muitos os casos de professores que acabam se envolvendo mais de perto com o time?
Sim, por sorte, na capacitação de professores, alguns gostaram muito da proposta de Rugby escolar e nas próprias aulas de educação física ensinam Rugby. E não só na parte de difundir o esporte, mas fazendo também parte dos jogos escolares juvenis e infantis organizados pelo Clube Curitiba Rugby.
Temos muitos jogadores que foram introduzidos mediante o Rugby escolar, que já forma parte das categorias formativas do Curitiba Rugby.
E minha última pergunta, Carlitos, qual o maior desafio relacionado, hoje, à promoção do Rugby em Curitiba?
Acredito que temos vários desafios importantes para continuar e aumentar a promoção do Rugby aqui em Curitiba.
Tem a parte de popularizar o esporte, seja melhorando nossa divulgação na mídia de jogos e eventos do Clube, como abrangendo maior quantidade de escolas e crianças nos estágios iniciais de crescimento e desenvolvimento, para termos, assim atletas originários do Rugby e não porque se frustraram em outros esportes. Depois, melhorar as competições para ter objetivos concretos para esses novos jogadores de Rugby.
E, finalmente, a lógica da captação de recursos para poder executar os projetos integralmente e manter e aumentar os agentes divulgadores do esporte (professores de educação física, treinadores, administradores e gestores), mais gente vinculada ao Rugby, que melhora a sua qualidade.
Carlitos, muito, muito obrigada mesmo por sua entrevista, pelo tempo que você me concedeu entre o almoço das crianças e sua vida prática.
Espero, de coração, que de alguma forma a Arimo possa contribuir com mais visibilidade para o esporte, para o Curitiba Rugby e para os projetos sociais que vocês com tanto carinho tocam.
Novamente, agradeço demais a você!
Madelaine, eu que agradeço a oportunidade e vou pedir desculpas antecipadas por algumas coisas que fiquem difícil de entender. Qualquer coisa estou a disposição para o que possa ajudar.
Muito obrigado mesmo, e sim com certeza estamos de portas abertas para mais pessoas de Rugby.