Discutimos sobre a rivalidade feminina, lógica que impõe disputas nada saudáveis entre mulheres e meninas desde muito cedo.
Qual mulher nunca se sentiu, de alguma forma, inferiorizada por falas e atitudes maldosas de outras mulheres?
Por muito tempo, esse tipo de cenário foi normalizado a ponto de mulheres não desejarem suas semelhantes em seus círculos sociais. Há algum tempo era comum ver aquelas que se vangloriavam por ter amizade apenas com homens, sob o argumento de que “mulheres são falsas e invejosas”.
Mas recentemente, com discussões feministas se tornando mais populares, esse tipo de pensamento vem sendo desconstruído entre quem se dispõe a entender melhor as dinâmicas entre mulheres.
E nessa busca por entendimento, a rivalidade feminina ganhou destaque. O termo é autoexplicativo e se refere à essa tendência, incutida a socialização feminina, em que mulheres subestimam, inferiorizam e difamam umas às outras.
Hoje em dia, é sabido que a rivalidade feminina é nociva e problemática. Mas qual é o motivo para ter resistido por tanto tempo? A quem beneficia? Como podemos nos distanciar disso?
Hoje te convidamos a refletir sobre esses temas que vêm distanciando mulheres de uma convivência de sororidade.
- O que é rivalidade feminina?
- A quem beneficia e a quem prejudica a rivalidade feminina?
- Somente mulheres reproduzem rivalidade feminina?
- Quais comportamentos caracterizam rivalidade feminina?
- Existe rivalidade masculina?
- Desconstruindo a rivalidade feminina: complexidades do processo
- Dicas para evitar a reprodução da rivalidade feminina
- Rivalidade feminina na cultura pop
O que é rivalidade feminina?
A rivalidade feminina consiste em diferentes práticas que visam colocar as mulheres umas contra as outras. O curioso desse comportamento é que é praticado pelas próprias mulheres.
Mas existe algo de muito masculino nisso. Afinal, a rivalidade feminina é uma estratégia e um resultado da lógica patriarcal que embasa todas as relações da nossa sociedade.
Rivalidade feminina e patriarcado andam lado a lado
A ideia central da rivalidade feminina é que mulheres são pessoas menos dignas. Por isso, você, mulher, deve menosprezar suas semelhantes, para se diferenciar delas e mostrar aos homens que você, sim, é digna.
Digna de valor, de confiança, de desejo, de oportunidades, e por aí vai.
Mas a verdade é que você não é única nesse sentido. E nem deve ser. Todas as mulheres devem ser tratadas com dignidade e respeito, devem ser valorizadas e ter igualdade de acesso a oportunidades.
Não deveria ser naturalizado que, para viver em um contexto de igualdade com o gênero oposto, você precise rivalizar com o semelhante.
Percebe como a lógica da rivalidade feminina gira em torno da aprovação dos homens?
É por isso que ela pode ser considerada uma estratégia: porque ela mantém o homem no centro das relações, mantém a ordem patriarcal.
A rivalidade feminina também pode ser considerada um resultado do patriarcado porque é uma estratégia desse sistema que se prova bem-sucedida há eras.
A quem beneficia e a quem prejudica a rivalidade feminina?
Com a manutenção da ordem patriarcal na sociedade, a rivalidade feminina beneficia única e exclusivamente aos homens. Quanto aos prejuízos, são as mulheres as mais prejudicadas.
Mas como a rivalidade feminina prejudica as mulheres?
- Afastando-as umas das outras
- Fazendo com que se sintam mal sobre si mesmas (física e mentalmente)
- Criando vivências solitárias
- Reforçando padrões de beleza
- Minando suas autoestimas
- Criando conflitos desnecessários
- Reforçando ideias machistas
- Fazendo com que se sintam culpadas por situações em que não são culpadas
- Tornando-as dependentes de aprovação masculina
- Desenvolvendo quadros médicos como ansiedade e depressão
Os exemplos acima são, claro, apenas uma parte de um todo muito mais complexo. Mas dão conta de mostrar a necessidade de mudar esse cenário. E o melhor é que já está mudando.
Apenas o fato de a rivalidade feminina se tornar pauta de conversas em todo o mundo já diz bastante sobre a conscientização quanto a esse problema. Ainda não é o suficiente para acabar com ele, mas é um início para esse processo.
Somente mulheres reproduzem rivalidade feminina?
As mulheres podem até protagonizar situações de rivalidade feminina, mas é importante ressaltar que não são as únicas a reproduzir esse tipo de pensamento.
Como dito anteriormente, a rivalidade feminina tem tudo a ver com a ordem patriarcal da sociedade. E homens — de qualquer grupo social — também podem incentivar e reproduzir ideias carregadas dessa competição entre mulheres.
Quem nunca ouviu um homem inferiorizando uma mulher diante de outra? Quem nunca notou um homem fazendo uma comparação entre mulheres mesmo quando a comparação não cabia?
Em grupos masculinos, quantas vezes as mulheres não são elencadas em ordem de melhor a pior de acordo com seus atributos físicos? As famigeradas listas de meninas mais bonitas da escola ou da turma, por exemplo, entram nesse cenário. Assim como qualquer comparação entre mulheres feita por homens.
E tudo isso são atitudes que reforçam o machismo e reproduzem a ideia de rivalidade feminina, atingindo diretamente a vivência de meninas e mulheres.
Quais comportamentos caracterizam rivalidade feminina?
Algumas pessoas podem ter dificuldade em distinguir o que caracteriza rivalidade feminina e o que caracteriza competições saudáveis. Para se orientar nesse sentido, basta fazer uma avaliação, é importante se questionar.
O meu pensamento desvaloriza ou inferioriza a outra mulher? Estou reproduzindo alguma ideia machista com relação a ela? A disputa aqui é necessária ou a ocasião pode incluir uma harmonia entre as mulheres envolvidas? Por que estou julgando essa mulher?
Vale notar que, mesmo com essas perguntas, ainda há possibilidade de um julgamento equivocado, que pode levar a reprodução dessa competição nociva entre mulheres.
Por isso, confira abaixo alguns exemplos pontuais que caracterizam rivalidade feminina.
- Comentários que julgam vivências e características de outra mulher
- Listas que elencam mulheres entre melhores e piores em algum quesito
- Comparação entre meninas da mesma família (a infância e a relação entre familiares formam as crianças e pode reforçar ideias de rivalidade entre as pequenas)
- Elogios que mais comparam com outras mulheres do que elogiam
- Situações em que reforçam a ideia de que mulheres precisam disputar pela atenção e/ou afeto de alguém, especialmente um homem
- Comentários e atitudes que, em algum nível, prejudicam a mulher
Esses são apenas exemplos específicos e que são muito frequentes em nosso dia a dia, e não dão conta de definir toda a subjetividade da rivalidade feminina. Afinal, é algo tão intrínseco à nossa socialização, que nossos comportamentos podem conter pequenas doses de rivalidade feminina sem mesmo percebermos. Por isso é muito importante a atenção contínua sobre seu olhar diante de outra mulher.
Existe rivalidade masculina?
Podemos concordar que competição é algo inerente a nossa sociedade. Precisamos estar sempre nos destacando e ser a melhor pessoa em todos os âmbitos: na escola, entre os irmãos/na família, no trabalho, nos relacionamentos.
Esse é um pensamento incentivado em todos os meios em que convivemos, e homens também estão sujeitos a esse tipo de competição.
Mas isso não quer dizer que a competição entre homens se assemelhe à rivalidade feminina.
Ordem social não impõe rivalidade entre homens
Primeiramente porque a competição não é incentivada entre si.
Na sociedade atual, não existe uma ordem cultural dita competição entre homens — salvo exceções de grupos sociais específicos, como homens de orientação sexual e/ou raças/etnias que fogem ao padrão hetero/branco, por exemplo.
Competição entre homens existe, mas não se assemelha à rivalidade feminina
Graças a rivalidade feminina, a ordem patriarcal se mantém. O que quer dizer que homens são o centro dessa sociedade e se beneficiam da posição de poder que ocupam.
Além disso, por ser figura central da sociedade, os acessos são facilitados aos homens.
Então, por mais que homens também entrem em lógicas de competição inerentes a essa sociedade, não se chega perto da realidade de rivalidade feminina vivida pelas mulheres.
Desconstruindo a rivalidade feminina: complexidades do processo
É preciso reconhecer que desconstruir a ideia de rivalidade feminina não é um processo fácil, pelo contrário, é complexo. Afinal, trata-se de uma característica de base na socialização feminina — você cresce internalizando ideias e comportamentos que reforçam essa lógica.
Por esse motivo, é preciso estar sempre atenta para suas relações com outras mulheres. Aquela implicância que você não sabe identificar a razão, por exemplo, pode ser justificada por isso. O mesmo vale para aqueles comentários que, para você são inofensivos, mas que, em algum nível, podem prejudicar a imagem de uma mulher.
Às vezes, as atitudes mais simples podem esconder pensamentos de rivalidade feminina.
Além disso, também devemos entender que, por mais que você esteja num processo de desconstrução sobre isso, nem todas as mulheres estão na mesma página. Então é preciso paciência e a tão falada sororidade.
O que você pode fazer nesses casos é conscientizar e ajudar nessa desconstrução ou se distanciar, quando achar necessário.
Dicas para evitar a reprodução da rivalidade feminina
A autovigilância é extremamente importante para evitar a reprodução da rivalidade feminina. Esse é o primeiro passo não só para desconstruir ideias que incentivam essa competição desnecessária entre mulheres, mas também para notarmos nossas ideias que são afetadas por essa lógica.
1) Começando na infância
É comum que pais e familiares estimulem rivalidade entre irmãs, primas e demais meninas da família. É aí que começam a incutir as ideias de rivalidade feminina em nossas vivências, ainda na infância, um momento de formação para nós. Por isso, é importante que pais, tutores e familiares tratem as meninas de suas famílias de forma igualitária, descartem comparações e estimulem amizade e admiração entre elas.
2) Fuja dos julgamentos
Por mais leve que soe, julgamento é julgamento. E quando julgamos outras mulheres, há uma grande possibilidade de estarmos reproduzindo ideias machistas e relacionadas à rivalidade feminina.
3) Olhe com gentileza para outras mulheres
Ao invés de julgar, é importante ter gentileza no nosso olhar diante de outras mulheres. É preciso reconhecer que viemos de contextos e vivências diferentes, e que isso impacta diretamente nossas relações com o mundo. Portanto seja gentil com a próxima e busque entender suas particularidades.
4) Celebre a admiração
Através desse olhar mais gentil, você já consegue melhorar sua percepção sobre as mulheres. Com isso, é possível que essas mulheres também passem a ser alvo de sua admiração. E isso deve ser celebrado. Não deixe de admirar uma mulher porque a sociedade diz que ela não é digna disso. Admire e seja admirada sem medo.
5) Incentive todas essas práticas entre as mulheres que te cercam
Além de seguir essas dicas, é importante também incentivar essas práticas entre as mulheres que te cercam. A conscientização é um passo importante para diminuir e erradicar a rivalidade feminina, criando uma corrente de relações positivistas entre mulheres.
Rivalidade feminina na cultura pop
“Quantas de vocês já se sentiram pessoalmente vitimadas por Regina George?”.
A frase é de uma cena icônica de Meninas Malvadas, de 2004. O filme é um marco da cultura pop recente no sentido de representar as diversas facetas da rivalidade feminina — desde suas consequências até a necessidade de desconstrução.
Meninas malvadas é um exemplo positivo da utilização da cultura pop para conscientizar sobre a competição entre mulheres. E ocupa esse lugar de forma muito necessária. Isto porque, na mídia, a rivalidade feminina tem lugar em produtos culturais voltados para mulheres de todas as idades.
Até os contos de fadas revelam isso — vide a figura das madrastas malvadas que colocavam irmãs umas contra as outras e que rivalizavam sobre beleza com enteadas. Esses exemplos negativos formaram muitas meninas, o que faz com que suas relações com outras meninas e mulheres reflitam essas ideias. Pelo menos até que, em algum momento, se conscientizem sobre a problemática, e busquem se desconstruir.
Os exemplos negativos incluem também filmes, desenhos e séries que trazem grupos de garotas populares que são colocadas como superiores às outras. Mesmo que a outra em questão seja a mocinha, o grupo das populares acaba sendo visto como um ideal, já que geralmente trazem atributos físicos que se encaixam nos padrões de beleza.
Na música, esse problema também ocorre, principalmente no pop. O gênero é conhecido por rivalizar com cantoras — estejam elas engajadas ou não nessa competição, podendo ficar apenas entre seus fãs.
No Brasil, o principal exemplo atual é a rivalidade Anitta x Ludmilla. Nos EUA já vimos Britney Spears e Christina Aguilera e Taylor Swift e Katy Perry. E a verdade é que todas elas podem coexistir no mercado e ser bem-sucedidas, sem precisar se engajar em competições pouco saudáveis umas com as outras.