Você conhece a trend That Girl do Tik Tok? Saiba por que essa tendência vem gerando discussões sobre o Wellness levado ao extremo.
Basta você entrar na tag #ThatGirl — do inglês, #AquelaGarota — no TikTok para se deparar com as mais variadas rotinas, principalmente as matinais. Mas todas elas têm um ponto em comum: o fato de não serem exatamente tradicionais. Os vídeos propõem, por exemplo, cafés da manhã com suco verde, ao invés de café preto, momentos de cuidado com a pele antes de sair para estudo ou trabalho, e por aí vai.
Faça um teste: abra o TikTok no seu dispositivo — não precisa ter conta, se você usar o navegador — e pesquise pela hashtag #ThatGirl. Agora ative o olhar crítico e observe essas postagens. Você vê algo de errado, negativo ou até mesmo perigoso?
A tendência — ou trend, como chamam os usuários da rede social — tem como objetivo incentivar um estilo de vida positivo. Mas o que muitas pessoas vêm percebendo é que, apesar de se tratar de uma ideia interessante, os vídeos podem resultar em um ambiente de positividade tóxica.
Por isso hoje falaremos um pouco sobre os problema da trend #ThatGirl. Mas não apenas isso. Afinal, o senso de responsabilidade por parte de quem publica, e o olhar crítico de quem consome também precisam ser abordados. Segue com a gente através dos tópicos a seguir:
- A positividade tóxica que a trend That Girl do TikTok pode promover
- A trend That Girl do TikTok e o Wellness levado ao extremo
- #ThatGirl, performance e o perigo em desrespeitar nossos limites
- A trend #ThatGirl é acessível?
- Quem é #AquelaGarota?
- A trend That Girl funciona na rotina de pessoas brasileiras?
- O que podemos tirar de positivo da trend That Girl do TikTok?
Vamos lá?
A positividade tóxica que a trend That Girl do TikTok pode promover
Você sabe o que é Wellness? Talvez o termo em inglês não seja tão familiar, mas certamente bem-estar é!
E a trend That Girl é exatamente sobre isso. Ou pelo menos busca ser. E o que chama atenção é que a tentativa de promover esse bem-estar pode, como mencionamos, acertar na positividade tóxica.
Esse é outro termo que algumas pessoas podem não compreender totalmente. Mas a positividade tóxica diz respeito à ideia de positividade não-natural ou por obrigação. Como já mencionamos aqui no blog, um exemplo que ajuda a entender se dá através do crescimento no movimento de autoaceitação.
Isso porque algumas pessoas têm dificuldade de romper com a ideia dos padrões impostos pela sociedade. Então, nesse novo contexto, quem se sentia cobrado de mudar para se encaixar, passa a se sentir cobrado para se aceitar. E como se trata de um processo complexo, essa nova cobrança pode trazer sofrimento mental e até mesmo físico.
Mas como esse conceito de positividade tóxica se relaciona com a trend That Girl?
Bom, basta olharmos os vídeos para começarmos a entender: a ideia de perfeição está sempre presente. Você precisa ter uma rotina estrita de alimentação saudável, ter o quarto e a casa dos sonhos, ter tempo para leituras quase que obrigatórias, ter dinheiro para investir em tudo isso e mais um pouco.
Óbvio que nada disso é colocado como uma obrigação nos vídeos. Mas todas essas coisas são mostradas como condições para conquistar felicidade e qualidade de vida. E quando não conseguimos viver o que os vídeos vendem, podemos nos ver tomados por sentimentos de frustração e até mesmo culpa.
Mesmo que você esteja física e mentalmente bem, além de satisfeita com sua rotina atual, os vídeos podem fazer com que isso não pareça o suficiente.
A trend That Girl do TikTok e o Wellness levado ao extremo
Além da possibilidade de gerar pressão por uma vida considerada perfeita, a trend That Girl do TikTok também pode ser prejudicial quando o assunto é bem-estar. Isso porque ao invés de ocupar um lugar de autocuidado, o bem-estar pode se tornar uma questão de performance.
Nesse contexto mora uma relação perigosa: a trend That Girl do TikTok e o wellness levado ao extremo.
Pode acontecer, por exemplo, de tentarmos nos encaixar em estilos de vida que não coincidem com nossa realidade. Desta forma, podemos prejudicar rotinas de sono, de trabalho e estudo e até mesmo de alimentação.
Afinal, como já mencionamos anteriormente, o que os vídeos mostram nem sempre se encaixam com o estilo de vida de quem está assistindo.
E aquela garota que trabalha, estuda e opta por gastar seu tempo livre relaxando? Ela deixa de ser #AquelaGarota apenas porque não toma um suco verde ou não lê dez páginas de um livro por dia?
#ThatGirl, performance e o perigo em desrespeitar nossos limites
Mesmo que o estilo de vida da trend That Girl, de alguma forma, se encaixe em sua rotina, ainda há outros riscos.
Em uma sociedade tão competitiva, como a que vivemos atualmente, por exemplo, também são grandes as possibilidades de tentarmos superar as inspirações oferecidas nos vídeos, indo além de nossos limites.
Para refletir sobre isso, vamos considerar aqui um exemplo da cultura pop. Na série Euphoria, a personagem Cassie acorda às 4 horas da manhã e gasta em torno de 3 horas em uma rotina de cuidados com a pele.
Na trama, essa situação funciona como um escape para o caos e sofrimento emocional que a garota vive, e sua constante busca por perfeição e aceitação alheia.
Então vamos considerar que alguém que tem a trend That Girl como inspiração também esteja em um momento difícil mentalmente. Nesse contexto, o que pode causar essa ideia de perfeição oferecida pelos vídeos?
A trend #ThatGirl é acessível?
Outra questão da trend That Girl que exige um olhar crítico diz respeito ao quão acessível podem ser os estilos de vidas que propõe.
Ainda utilizando o exemplo da personagem de Euphoria vale refletir: essa trend é acessível também para pessoas em sofrimento mental?
Essas pessoas não podem acabar se sentindo culpadas por não conseguir performar a dita perfeição e alcançar a qualidade de vida que os vídeos retratam?
Para além desse recorte de saúde mental, vale notar que os vídeos da trend também estão sempre repletos de produtos e marcas. E mesmo que não seja a intenção de quem produz esses conteúdos, o vídeo se torna mais uma vitrine — frequentemente para produtos caros e marcas de luxo.
Então a trend acaba reforçando também que, para ter uma vida de qualidade, você precisa necessariamente ter um poder aquisitivo considerável, além de intenso nível de consumo.
E apesar de o dinheiro facilitar nossa vida em diversos aspectos — inclusive na qualidade de vida —, é importante não relacionar isso com ideia de luxo e consumo.
Tornando a trend mais inclusiva
Ao invés disso, a trend That Girl poderia dar dicas de como ter qualidade de vida sem gastar muito. Já que a ideia central dos vídeos é oferecer inspiração para melhorar sua vida, por que não tornar isso o mais inclusivo possível?
Claro que cada pessoa pode adaptar as inspirações da trend para sua própria realidade e até mesmo publicar o resultado na hashtag. Afinal, existem materiais com uma proposta mais inclusiva por lá. Mas, até o momento, a visibilidade desse tipo de vídeo não se compara à de conteúdos tomados por marcas e estéticas de luxo.
Então, pelo menos até a publicação deste texto, a trend #ThatGirl passa longe de ser o que podemos considerar como acessível. Mas ainda pode se tornar mais inclusiva.
Quem é #AquelaGarota?
Experimente agora entrar em hashtags como #ThatGirl e #ThatGirlRoutine, no TikTok, e perceber que tipo de garotas você vê nos vídeos. Reparou que existe um padrão? Por coincidência ou não, é o mesmo padrão estético que a sociedade nos impõe como ideal de beleza: mulheres brancas e magras. De acordo com a trend, elas são #AquelaGarota!
Os vídeos dificilmente mostram mulheres negras, asiáticas e indígenas, por exemplo.
E aqui falamos apenas de um recorte racial. Onde estão aquelas garotas que são mães, que têm alguma deficiência, que são gordas ou até aquelas que não performam a feminilidade que a sociedade exige?
Talvez muitas dessas pessoas nem queiram contribuir com a trend. Mas é notável o apagamento de suas vivências quando os vídeos buscam inspirar rotinas de bem-estar. Afinal, qualidade de vida deve ser um direito de todas as pessoas, sem restrições.
Esse é outro problema que a trend carrega, já que acaba reforçando que o ideal de vida é aquele vivido por essas mulheres brancas e magras. E, como vimos no tópico anterior, aquelas que, além de se encaixarem nesse perfil, também possuem um alto poder aquisitivo.
Novamente voltamos à tendência da trend em estimular a frustração em quem não se encaixa nesses padrões — que vão além da rotina, dizem respeito também à identidade.
A trend That Girl funciona na rotina de pessoas brasileiras?
Outro aspecto que não podemos ignorar sobre a trend That Girl é seu contexto local. A tag em inglês já denuncia: os vídeos são, em sua maioria, feitos por garotas de outros países, e isso influencia diretamente no estilo de vida que elas retratam. Consequentemente, reflete também as realidades que os vídeos não contemplam. E as vivências brasileiras podem se encaixar dentro desse grupo.
Essa exclusão vai desde algo simples, como uma dieta baseada em alimentos que não são comuns ao mercado brasileiro, até algo mais geral, como as rotinas brasileiras.
Por aqui, sabemos que muitas mulheres em idade adulta se dividem em diferentes trabalhos, muitas vezes se dedicando a um emprego e tarefas domésticas. Com isso, acaba sobrando pouco tempo para fazer coisas básicas sugeridas na trend, como acordar mais cedo para ler, cuidar da pele e fazer exercícios.
Não queremos dizer que essas mulheres não merecem um momento de autocuidado. Muito pelo contrário. Elas precisam de autocuidado para uma vida de qualidade. Mas a forma como os vídeos da trend sugerem adicionar esses hábitos pode não funcionar da forma desejada para elas.
Muitas vezes, dormir o máximo que se pode é essencial para que essa mulher tenha um sono restaurador, o que garante disposição para as tarefas diárias. E esse sono também é garantia de qualidade de vida.
Talvez a leitura pela manhã também possa ser substituída por uma série em algum outro momento do dia, por exemplo. O suco verde pode dar lugar a um suco de laranja, uma vitamina de morango.
E esse é apenas um exemplo de rotina que não se encaixa estritamente nas sugestões da trend That Girl, tornando seus vídeos menos interessantes para realidades brasileiras.
Vale lembrar também de garotas brasileiras que não têm condições financeiras de reproduzir as sugestões da trend. Afinal, os vídeos são produzidos, em sua maioria, por pessoas que vivem com moedas mais valorizadas do que o nosso real.
E muito provavelmente em países que não estão dentro do mapa da fome, como o Brasil, em 2022.
O que podemos tirar de positivo da trend That Girl do TikTok?
Apesar de todos os problemas abordados neste texto, podemos sinalizar que há pontos positivos na trend That Girl do TikTok.
Principalmente se você considera todos esses aspectos com um olhar crítico e consegue produzir algum tipo de adaptação para sua rotina.
1) Incentiva uma alimentação saudável
A alimentação saudável é uma das principais características da trend That Girl. E, apesar de muitas pessoas acreditarem que, para isso, é preciso gastar muito, a verdade é que não é bem assim. Pesquisando bem os preços e frequentando feiras de rua com alimentos naturais, é bem comum encontrar as coisas em conta.
Vale notar, porém, que é indicado buscar orientação médica qualificada quando você quer adotar novos hábitos alimentares.
2) Estimula a leitura
A leitura também é um fator frequentemente estimulado nos vídeos da trend. E apesar de você não precisar ler ao menos dez páginas por dia, a leitura traz conhecimentos e pode funcionar como um hobby. Então esse incentivo é sim positivo.
Mas, se você não curte tanto ler, não se culpe. Séries, filmes e arte, no geral, também trazem conhecimento e podem ser hobbies para você e ocupar esse lugar na sua rotina.
3) Propõe autocuidado
A trend pode até propor formas de autocuidado bem específicas, mas, independente disso, o autocuidado é a ideia central dos vídeos. E, em um momento em que vivemos cercados de tanta cobrança e responsabilidades, cuidar de si mesmo é essencial.
O que é necessário aqui é ter olhar crítico e bastante atenção para não cair em uma temida armadilha: a relação entre A Trend That Girl do TikTok e o Wellness levado ao extremo.